A arquitetura gótica é um estilo que surgiu durante a Idade Média, sendo observado principalmente em construções religiosas. Apesar do nome remeter a um conceito sombrio, essa arquitetura é o oposto disso, trazendo espaços amplos e a iluminação natural como protagonista, através dos vitrais. Conheça a história dessa arquitetura, suas características e como ela pode ser aplicada em projetos contemporâneos.
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O que é arquitetura gótica?
A arquitetura gótica é um marco histórico que influenciou todo o cenário artístico, abrangendo disciplinas como a pintura e a escultura. O estilo surgiu na Europa, no período da Idade Média, e trouxe um novo olhar para o modelo de construção da época, apresentando soluções estéticas e estruturais inovadoras. O gótico trouxe diversos elementos, como os arcos ogivais, que permitiram a ampliação das dimensões laterais, ou seja, os vãos.
Além disso, trouxe as abóbadas de cruzaria, estruturadas por dois ou mais arcos cruzados, de forma que o peso dessa cobertura fosse descarregado em diversos pontos, o que possibilitou a redução das seções estruturais e o alcance de edificações mais altas. O restante do peso era distribuído para pilares externos, os contrafortes, conectados à estrutura principal através dos arcobotantes.
Com as paredes liberadas da função estrutural, os fechamentos passam a ser executados do material mais leve possível, o vidro, de forma que a área das aberturas são consideravelmente ampliadas e compostas por vitrais, possibilitando a iluminação em abundância. A arquitetura gótica é marcada pela leveza da construção - devido aos elementos construtivos reduzidos e transparência dos fechamentos -, a grandiosidade, verticalidade e a riqueza de detalhes nas fachadas e nos espaços internos.
O estilo gótico está fortemente relacionado ao catolicismo, portanto essa arquitetura é principalmente observada em catedrais, igrejas, basílicas e mosteiros. Por esse motivo, esse estilo também ficou conhecido como “arte das catedrais”. A igreja católica possuía forte influência na sociedade da época e investiu na construção de igrejas mais suntuosas, pois acreditava que essas catedrais atraíam mais fiéis do que os modelos clássicos. Logo, a arquitetura gótica apresenta muitos simbolismos religiosos.
Dentre as simbologias, podemos destacar as que estão diretamente relacionadas ao espaço construído e que só foram possíveis devido às novas soluções estruturais. A primeira delas é a abundante luz natural, que penetra o espaço interno através das amplas janelas de vitrais. Ela representa a luz divina e a iluminação espiritual dos seres ao entrarem na catedral. Outro significado é relativo à altura das igrejas: a verticalização indica a proximidade da construção com o céu.
A altura elevada é notável tanto na perspectiva externa da construção quanto nos espaços internos, pois o pé direito dos ambientes é igualmente monumental. O teto muito elevado reduz a escala humana, simbolizando a grandeza da divindade em relação aos homens. Todas essas percepções do espaço interno estão relacionadas a neuroarquitetura do ambiente, que transmite a sensação de imponência e pureza das catedrais, sendo alguns desses princípios utilizados até hoje na concepção de templos religiosos contemporâneos.
A história da arquitetura gótica
A história da arquitetura gótica tem início na Idade Média, onde a organização social era configurada por feudos, ou seja, pequenas vilas que se organizavam em modelos auto sustentáveis, onde as pessoas produziam o que consumiam, e a distribuição dos produtos era realizada de acordo com as classes sociais. Nesse contexto, os templos religiosos eram erguidos no estilo românico - construções robustas com paredes estruturais pesadas, pequenas aberturas e acabamento em tijolo aparente.
A intensificação das rotas marítimas e do comércio europeu possibilitou a interação entre diversas culturas, abrindo portas para novas soluções estruturais e estéticas na arquitetura. Nesse contexto nasce a arquitetura gótica ao norte da França no século X, se estendendo até o século XV. Devido ao seu local de origem, essa arquitetura também ficou conhecida como “obra francesa”, se disseminando posteriormente para Itália, Alemanha, Inglaterra, Espanha e Áustria.
O estilo gótico rompe com o modelo de construção românico vigente, trazendo uma linguagem arquitetônica leve, vertical e amplamente iluminada. O novo estilo é marcado pela associação às práticas religiosas, especialmente o catolicismo, pois as igrejas tinham poder político - visto que esse período é caracterizado pela teocracia, onde Deus é o centro do universo - e econômico, pois os representantes do poder clerical tinham recursos para investir na obras monumentais, as quais exigiam grandes investimentos financeiros.
Justamente por esse motivo que as obras da arquitetura gótica são, em sua maioria, construções católicas e carregam muitas simbologias religiosas. No século XIV ocorre o renascimento cultural, político e econômico na Itália, o qual prega a razão sobre a fé. Esse movimento é o precursor do iluminismo, que entende a razão e a ciência como a base para a compreensão do mundo.
Foi através dessa nova percepção do mundo que a “obra francesa” ou “arte das catedrais” recebeu o nome “gótico”, denominação pejorativa para uma obra considerada “monstruosa”, exagerada em ornamentos e menos funcional que o românico, além de representar os princípios religiosos que eram repudiados pelo novo pensamento. A arquitetura gótica é uma transição entre o estilo românico, vigente no feudalismo e a arquitetura renascentista, inspirada nas artes clássicas gregas e romanas.
Características da arquitetura gótica
As principais características da arquitetura gótica são:
- Religiosidade: a arquitetura gótica está fortemente conectada aos princípios católicos, carregando muitas simbologias. As fachadas e interiores são extensivamente ornamentados com figuras e cenas bíblicas em composição com padrões curvos e rebuscados.
- Verticalização: as construções são monumentais e suntuosas, tanto externamente quanto internamente. Torres esguias e detalhes pontiagudos indicam a proximidade da catedral com o céu. O pé direito elevado destaca a grandeza da divindade em relação aos seres humanos.
- Vitrais: devido às inovações que liberaram as paredes do papel estrutural, os fechamentos passam a contar com grande número de portas e janelas, as quais eram finalizadas com vidros coloridos que ilustravam cenas e figuras bíblicas. Esses vitrais trazem uma ampla iluminação natural para os ambientes, representando a luz divina. Os vitrais coloridos combinados com a luz natural criam atmosferas mágicas para o interior das catedrais.
- Rosáceas: um dos vitrais que compõem a fachada, porém possui formato redondo e se assemelha a uma rosa - de onde recebe seu nome. Esse vitral em específico está presente nas entradas, também podendo ser observado nos altares e no teto de algumas catedrais.
- Arcos ogivais: elemento estrutural responsável pela revolução do modelo construtivo. Os arcos ogivais apresentam ângulo agudo e estão presentes na estrutura das catedrais como um todo e também nos vãos de portas e janelas. Frequentemente eram decorados com esculturas.
- Contrafortes: pilares externos responsáveis por auxiliar na estabilização dos arcos ogivais e receber as cargas que os pilares esbeltos internos não suportavam.
- Arcobotantes: estruturas em meio arco responsáveis por transmitir as cargas excedentes dos arcos ogivais para os contrafortes. São peças fundamentais na estabilidade da estrutura da arquitetura gótica, estabelecendo a conexão dos elementos estruturais internos com os externos.
- Abóbada de cruzaria: também fundamentais na revolução do modelo de construção, são elementos côncavos utilizados nas coberturas de áreas quadradas, curvas ou irregulares. Sua estrutura conta com arcos cruzados que permitem a distribuição do peso em vários pontos de apoio, reduzindo as dimensões dos elementos estruturais.
- Arcadas: sequência de arcos sustentados por pilares, geralmente observadas nos claustros.
- Planta baixa: geralmente era executada em cruz latina, ou cruz cristã, destacando mais um dos elementos que trazem simbologia religiosa nessa arquitetura.
- Gárgulas: esculturas animalescas nas calhas dos telhados, utilizadas para escoar as águas pluviais. São elementos de destaque principalmente no imaginário popular, originando lendas que sugerem que as criaturas eram guardiãs dos templos e ganhavam vida à noite.
Exemplos de arquitetura gótica
Catedral de Amiens
É considerada a maior estrutura de arquitetura gótica da França, com 42,3 metros de altura, 70 metros de largura e 145 metros de comprimento. O “Partenon da arquitetura francesa” possui fachadas ricamente decoradas com esculturas dos santos católicos, vitrais e rosácea marcantes e as famosas gárgulas. A catedral foi tombada como patrimônio mundial da UNESCO em 1981.
Catedral de Colônia
Também conhecida como “Igreja dos santos Pedro e Maria”, essa catedral é um dos monumentos mais visitados na Alemanha e possui 43 metros de altura, 86 metros de largura e 145 metros de comprimento. O destaque da Catedral de Colônia vai para suas torres gêmeas, com 157 metros de altura. Ela foi declarada patrimônio mundial da UNESCO em 1996.
Catedral de Notre-Dame
A arquitetura gótica mais visitada do mundo está localizada em Paris, na Île de la Cité. A construção erguida sobre as ruínas de pequenas igrejas possui 35 metros de altura, 48 metros de largura e 130 metros de comprimento. Seu destaque são as gárgulas que foram se multiplicando na fachada ao longo do tempo e as 56 quimeras que compõem a decoração. Além disso, a igreja possui uma acústica única e abriga o segundo maior órgão da França, com quase 8 mil tubos. A Notre-Dame sofreu um incêndio em 2019, causando danos parciais, a previsão de sua reconstrução é de 5 anos.
Arquitetura gótica na atualidade
A arquitetura gótica é monumental e carregada de princípios religiosos, suas adaptações para o contemporâneo ocorrem em três principais vertentes: concepção de novos templos religiosos utilizando dos princípios góticos, conversão de função de igrejas góticas para outras destinações e uso de elementos góticos na decoração e composição de interiores. A seguir vamos ver cada um desses exemplos.
Templo religioso contemporâneo
Para ilustrar a aplicação dos conceitos da arquitetura gótica em um templo religioso contemporâneo, trouxemos uma arquitetura brasileira: o Santuário Dom Bosco, localizado em Brasília. Erguido em homenagem ao padroeiro da cidade, João Belchior Bosco, o santuário faz uso do pé direito elevado, através de mais de 80 colunas com 15 metros de altura, as quais, além de fazerem referência a grandeza divina do gótico, se conectam por vários arcos ogivais, marcantes do estilo.
Os vãos são preenchidos por 2,2 mil m² de vitrais em degradê de azul, sendo as quatro quinas do templo compostas por vitrais em tons de rosa. Essa combinação de cores cria uma atmosfera mágica dentro do santuário, modificando sua ambientação de acordo com a posição do sol. A ampla luz natural também é uma referência à luz divina. O templo possui um lustre central para iluminação noturna.
Apesar de todas as características góticas, a arquitetura do santuário é evidentemente contemporânea. O interior é livre de adornos, sendo o destaque a iluminação e o trabalho no teto. O altar conta com superfícies brancas e lisas e uma única imagem de cristo. No exterior a cruz principal é esculpida de forma muito delicada na fachada que não possui ornamentos e recebe acabamento em concreto aparente.
Conversão de função
Grande parte das catedrais que são ícones da arquitetura gótica são patrimônios e geralmente mantém a sua função de templo religioso. Porém, algumas igrejas menores passam para o domínio privado e recebem adaptação da sua finalidade. Essas adaptações geralmente trazem uma mistura de arquitetura de interiores atuais com os elementos antigos existentes, resultando em soluções muito interessantes. É o caso da residência projetada por VizLine Studio and Tsiabus Maxim.
Essa ambientação uniu a estrutura da arquitetura gótica, com seus arcos ogivais e vitrais, com o estilo industrial, através da iluminação amarelada, mobiliários em couro e materiais metálicos em preto. Também é possível observar alguns objetos antigos, como lamparinas e o globo terrestre, que são utilizados como decoração, trazendo também uma estética vintage.
Apesar do estilo industrial casar muito bem com a estética gótica, ele não é o único contemplado nas adaptações. Em Chicago, uma antiga igreja manteve seu exterior intacto, incluindo as janelas em vitral que trazem uma estética única aos ambientes internos, os quais receberam uma renovação que mistura os estilos contemporâneo e nórdico. Os responsáveis pelo projeto são Linc Thelen Design e Scrafano Architects.
O minimalismo contemporâneo é traduzido em uma paleta de cores em preto e branco, superfícies lisas e amplas, pouca ornamentação e amplitude do espaço, a qual é favorecida pelo pé direito de aproximadamente 7,5 metros. A ambientação nórdica é visível no mobiliário com pés palitos e tapetes em pele. A cor do ambiente fica por conta dos vitrais, os quais compõem os diversos ambientes com muita harmonia.
Elementos da arquitetura gótica para ambientações atuais
Um elemento muito interessante para compor ambientes internos é a releitura das esquadrias em arcos ogivais. Vãos de portas e janelas podem ser ampliados com essa solução estrutural, permitindo a penetração abundante da iluminação natural nos ambientes, muito importante para a qualidade de vida e também para a eficiência energética da arquitetura sustentável.
Uma releitura contemporânea dos arcos ogivais foi utilizada em uma conversão de função de uma igreja neo gótica, em FrelighBurg, no Quebec. A residência projetada pelo escritório DP Space Design manteve o exterior da igreja porém, diferentemente do exemplo citado em Chicago, as esquadrias foram redesenhadas. Os arcos ogivais são mantidos, mas os vitrais são substituídos por vidros transparentes. A Church’s house de Quebec também traz elementos naturais como acabamentos e pilares de madeira, mostrando que também é possível combinar a arquitetura gótica com a arquitetura vernacular.
Na residência de Chicago nota-se que os vitrais em áreas de permanência são combinados com vidros transparentes, em conjunto com uma configuração espacial ampla e cores claras, pois a exposição contínua a vitrais coloridos pode ser cansativa. Logo, o uso de vitrais em salas e quartos deve ser cauteloso, geralmente vitrais contemporâneos utilizam formas geométricas e poucas cores para esses ambientes. Porém os vitrais podem ser utilizados ao estilo da arquitetura gótica, de forma mais colorida e rebuscada, em áreas de curta permanência como, por exemplo, em circulações e banheiros.
O primeiro exemplo combina os vitrais coloridos com o estilo de arquitetura de interiores contemporâneo, observado na banheira e na cuba. Também recebe um toque de vintage, devido ao armário. Apesar desse vitral não ser essencialmente gótico - pois os vitrais da arquitetura gótica trazem imagens bíblicas - ele mostra uma maneira de combinar vitrais coloridos e rebuscados, como são os das catedrais, com espaços internos modernos, podendo inspirar releituras.
O segundo exemplo traz uma releitura da rosácea, elemento típico da arquitetura gótica. Esse banheiro possui arquitetura de interiores provençal, a qual combina o estilo clássico com o rústico. Elementos rústicos e vintage sempre combinam bem com releituras de arquiteturas antigas, e nesse caso não foi uma exceção, a luz natural penetra o espaço amplamente e traz muita identidade ao espaço.
Uma outra forma de combinar os elementos da arquitetura gótica a ambientes contemporâneos é através de elementos de decoração inspirados nas características dessa arquitetura. O arquiteto é livre para se inspirar e criar peças únicas e que trazem muita personalidade ao ambiente. Abaixo observa-se dois espelhos inspirados nos arcos ogivais e rosáceas, respectivamente.
Para arquitetos que estão trabalhando com intervenções nessa área, o conhecimento da história e significados da arquitetura gótica são fundamentais, seja em intervenções de arquitetura e urbanismo, que devem respeitar os patrimônios existentes, seja para converter a função de antigas igrejas, respeitando sua história. Arquitetos que buscam inspiração para projetos contemporâneos podem conceber arquiteturas e ambientes muito interessantes partindo dos conceitos do gótico ou adaptando elementos e criando atmosferas únicas e com muita personalidade.
Até a próxima,
Equipe Vobi
Referências:
www.archtrends.com
www.vivadecora.com.br
www.laart.art.br
www.allmadloja.com.br
www.todamateria.com.br
www.portalsaofrancisco.com.br
www.historiadomundo.com.br
www.belgianclub.com.br
www.mymodernmet.com
www.v2com-newswire.com