No contexto social em que vivemos, a moradia se estabelece não apenas como um refúgio físico, mas como um pilar fundamental para a dignidade humana, bem-estar e inclusão social. No entanto, mesmo diante do progresso de inúmeras nações, a garantia de uma habitação adequada e acessível continua a ser um desafio a ser superado. A Habitação de Interesse Social surge como uma resposta a essa demanda, buscando não apenas prover um teto, mas reconhecer o lar como um espaço integrador e transformador. Afinal, qual é o real significado de "casa" para você? Para muitos, a resposta transcende a estrutura física e toca as dimensões de segurança, pertencimento e identidade.
Em muitas cidades ao redor do mundo, as paisagens são marcadas por contrastes gritantes - arranha-céus opulentos projetando suas sombras sobre comunidades marginalizadas, onde o direito básico à moradia ainda é uma luta diária. A crescente disparidade entre ricos e pobres tem acentuado ainda mais a necessidade de políticas eficientes de habitação social. Porém, abordar essa temática vai além de mero planejamento urbano. Envolve, essencialmente, entender os dilemas e aspirações das comunidades, bem como as complexidades socioeconômicas e culturais que moldam a arquitetura das cidades.
Se você já se perguntou sobre a importância de políticas de habitação justas, ou como podemos construir cidades mais inclusivas e equitativas, então este artigo é para você. Aqui, buscamos desvendar os desafios, avanços e nuances da Habitação de Interesse Social, proporcionando um panorama abrangente e reflexivo sobre o assunto.
Nesta leitura, abordaremos:
Aproveite a leitura!
O que é Habitação de Interesse Social?
Habitação de Interesse Social (HIS) é um termo que se refere a moradias destinadas predominantemente às famílias de baixa renda. O objetivo central desses projetos é combater o déficit habitacional, que representa o número de casas e apartamentos necessários para abrigar adequadamente a população que não possui um lar digno.
As HISs, por natureza, são projetadas de maneira mais econômica, mas isso não deve implicar na diminuição na qualidade. Essas moradias tendem a ter dimensões reduzidas, geralmente compreendendo dois quartos, uma sala de estar e jantar compartilhadas, uma cozinha, uma lavanderia e um banheiro.
Embora possam estar situadas em áreas menos valorizadas ou periféricas, visando custos mais acessíveis, devem cumprir padrões de qualidade e segurança. A ONU-HABITAT, por exemplo, define a habitação acessível como Uma moradia considerada adequada é aquela que, além de ter qualidade e estar bem localizada, não é tão cara a ponto de comprometer a capacidade dos moradores de cobrir outras despesas essenciais da vida ou de ameaçar o exercício de seus direitos humanos fundamentais
No Brasil, os primórdios da habitação social remontam ao século XX, durante o período de industrialização do país nos anos 1930. Até esse momento, as pessoas que migravam do campo para as cidades em busca de trabalho geralmente tinham como opção de moradia apenas as vilas operárias ou moradias de aluguel oferecidas pela iniciativa privada.
O pioneiro na ideia de habitação social no Brasil foi o governo federal, especificamente sob a liderança de Getúlio Vargas. O interesse deste governo na construção de Habitação de Interesse Social (HIS) surgiu em resposta ao fluxo de trabalhadores vindos do campo para as cidades devido à industrialização. Vargas, em novembro de 1938, enfatizou a necessidade de construir habitações mais acessíveis e confortáveis para os trabalhadores, instruindo para a aquisição de grandes áreas de terreno e racionalização dos métodos de construção para alcançar esse objetivo.
A primeira iniciativa de construção com o intuito de oferecer moradias sociais foi impulsionada pelos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs) que, antes da criação do Banco Nacional de Habitação (BNH), encomendaram projetos de arquitetos modernos como Attilio Corrêa Lima, Carlos Frederico Ferreira e Marcial Fleury de Oliveira. Um exemplo de construção emblemática desse período é o Conjunto Residencial Prefeito Mendes de Moraes, conhecido como "Pedregulho", projetado pelo arquiteto Affonso Eduardo Reidy.
Desde então o Brasil tem investido em programas que buscam amenizar o desafio habitacional, como:
- Programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV): Implementado em 2009, o MCMV surgiu como um marco nos programas habitacionais do Brasil, atendendo a variadas faixas de renda e oferecendo condições especiais de financiamento para milhões de famílias.
- Programa Casa Verde e Amarela: Lançado em 2020 e posteriormente substituído em 2023 pelo relançamento do MCMV, buscava aprimorar as ações do programa anterior. Uma de suas ênfases estava na regularização fundiária e melhoria habitacional.
- CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano): Focada no estado de São Paulo, esta iniciativa tem como propósito facilitar o acesso a uma moradia digna, sobretudo para as famílias de menor renda. Opera em colaboração com os municípios para edificar moradias utilizando recursos estaduais e com administração municipal, focando principalmente naquelas que recebem entre um a dez salários mínimos, priorizando especialmente aquelas com rendimentos de até cinco salários.
Além de fornecer habitação, a CDHU também atua em questões urbanísticas, incluindo a recuperação urbana e ambiental em cidades paulistas. Suas iniciativas englobam reassentamento habitacional, ações em favelas, melhorias urbanas e habitacionais, e apoio à regularização fundiária. Esta atuação é direcionada tanto pela perspectiva corretiva, que inclui regularização de áreas de risco e urbanização de assentamentos precários, quanto pela perspectiva de provisão, focando na oferta de moradias e parcerias para aprimorar a qualidade de vida urbana.
Programa Nacional de Habitação Rural (PNHR): visa subsidiar a construção ou reforma de moradias para agricultores familiares e trabalhadores rurais, utilizando recursos do OGU ou FGTS. Seu público-alvo é composto por agricultores e trabalhadores rurais, organizados coletivamente através de uma Entidade Organizadora. Há critérios específicos de enquadramento, baseados na renda familiar anual, conforme a Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (DAP).
Como outros países abordam a habitação de interesse social?
A habitação de interesse social é uma preocupação global, sendo vista como fundamental para a promoção da qualidade de vida dos cidadãos e desenvolvimento das cidades. A forma como diferentes países e cidades abordam essa questão revela uma variedade de estratégias e soluções, algumas das quais se destacam:
No Reino Unido, os "Council Houses" são uma forma tradicional de habitação social, destinada principalmente às famílias de baixa renda. Essas moradias são propriedade dos governos locais, que as alugam a preços acessíveis. Nos últimos anos, houve uma mudança na estratégia, com o aumento da participação de "Housing Associations", organizações sem fins lucrativos que também fornecem habitação acessível, mas com mais flexibilidade na gestão e financiamento do que as tradicionais Council Houses.
Nova York (EUA) também adotou uma abordagem para a habitação de interesse social. Através de incentivos de zoneamento, a iniciativa privada é encorajada a destinar cerca de 20% de seus novos empreendimentos para habitações de baixa renda. Em troca, esses empreendedores recebem benefícios, como um aumento no potencial construtivo do projeto. Esse método não só garante que novos edifícios incluam unidades acessíveis, mas também promove uma integração mais orgânica de diferentes faixas de renda na mesma propriedade.
Na Suécia, o programa "Miljonprogrammet" lançado nos anos 60 e 70, visou construir um milhão de novas habitações em uma década, representando uma solução radical para a escassez de moradias do período pós-guerra. Embora o programa tenha enfrentado críticas ao longo dos anos, principalmente em relação ao design e à qualidade das construções, ele desempenhou um papel importante em proporcionar habitação acessível a muitos cidadãos.
Exemplos de habitação social que se destacaram
Ao longo dos anos, diferentes modelos e abordagens foram executados em todo o mundo para atender às necessidades habitacionais das populações menos favorecidas. Alguns desses projetos não apenas proporcionam um teto sobre a cabeça, mas também se tornaram modelos de design e integração comunitária. Ao explorar esses casos de destaque, podemos observar não apenas a funcionalidade, mas também a capacidade de transformar espaços urbanos e fortalecer comunidades através da arquitetura e do planejamento. Vamos analisar alguns desses exemplos:
Localizada em Constitución, no Chile, a Habitação Villa Verde é um modelo de habitação social concebido pela empresa Elemental. Inicialmente, o projeto foi encomendado pela Arauco, uma renomada empresa florestal, com o objetivo de ajudar seus trabalhadores a adquirir suas próprias casas. Em resposta a essa necessidade, foi desenvolvido um projeto inovador dentro das políticas habitacionais estabelecidas no país, otimizando recursos e pensando nas condições financeiras de seus futuros moradores.
A ideia central era priorizar os elementos mais complexos da construção, estabelecendo padrões elevados tanto para a estrutura inicial quanto para o que seria a moradia após as ampliações.
Com o apoio financeiro direto da Arauco e graças à magnitude da demanda, foi possível investir em pesquisa e inovação, gerando um modelo residencial econômico e adaptável. Prevendo um total de 9.000 unidades em trinta cidades, Villa Verde não só responde à necessidade de moradia como também impacta positivamente em cidades menores, onde as construções são importantes na formação urbana.
O Bloco 51-C, localizado em, Amsterdã, é uma representação moderna de habitação social projetada pelo Arquiteto Dick van Gameren. Inaugurado em 2009, o edifício combina 17 apartamentos privados com 28 unidades de habitação social destinadas ao aluguel. Estrategicamente situado em Haveneiland-Oost, o design do edifício incorpora três zonas distintas: dois pátios nas extremidades abrigando as unidades para aluguel e um segmento central destinado aos apartamentos privados.
Os pátios apresentam dois modelos de apartamentos: unidades de três andares com 125 m² e de dois andares com 100 m². Ambas incluem características como uma cozinha de jantar e entradas voltadas para o pátio. Já os apartamentos privados oferecem um espaço generoso de no mínimo 135 m² e vêm com duas vagas de estacionamento privativas.
A configuração interna das unidades é: no térreo, encontra-se um estudo, o primeiro andar abriga a sala e cozinha, com uma altura ampliada, enquanto o segundo andar comporta três quartos e um banheiro.
A estética exterior combina alvenaria escura com detalhes em madeira, criando uma interação harmoniosa entre os espaços públicos e privados. Esta habitação social não só atende às necessidades residenciais, mas também realça a paisagem urbana de Amsterdã.
A "Casa dos Caseiros", localizada em Campinas, é uma iniciativa do escritório 24 7 Arquitetura. Originalmente concebida para ser construída em steel frame em larga escala no estado do Rio de Janeiro, o projeto foi adaptado para o sistema construtivo em blocos de concreto estrutural, mais familiar aos construtores brasileiros. A proposta foi concretizada em uma residência de 70m², com um orçamento de R$50.000,00, visando abrigar uma família de caseiros com dois filhos.
O design da casa busca simplicidade e eficiência, garantindo iluminação e ventilação naturais. Um pátio estratégico circunda a cozinha, sala e escritório, assegurando luz e ventilação, mesmo se uma estrutura semelhante for construída adjacente a ela. O projeto oferece flexibilidade de configuração interna, podendo abrigar três quartos e um escritório ou uma suíte com dois quartos adicionais.
Visando redução de custos, optou-se por eliminar lajes e rebocos, substituindo-os por textura de rolo e forros de PVC. O design também promove interação social, com um banco externo convidando à convivência comunitária, remetendo ao cenário de cidades interioranas. Como gesto de democratização arquitetônica, o projeto tornou-se "open source", disponível gratuitamente, incentivando adaptações conforme especificidades locais e regionais.
Ao investir em projetos de habitação de interesse social, não apenas combatemos a desigualdade habitacional, mas também fomentamos comunidades mais integradas e seguras. A importância da habitação social vai além da arquitetura; ela é a base para a construção de sociedades mais justas, coesas e, sobretudo, humanas.
Até a próxima,
Equipe Vobi
Referências:
www.caixa.gov.br
www.archdaily.com.br
www.cdhu.sp.gov.br
www.sienge.com.br
www.gazetadopovo.com.br